Há mais de dois séculos, Bordeaux é o centro de negócios do mundo do vinho e serve como modelo para várias regiões. Nesta semana, no entanto, certo clima de tensão paira sobre a cidade francesa. Investidores e críticos estão especialmente atentos às degustações en primeur realizadas sempre nesta época.
Na ocasião, são provados vinhos do ano anterior, ainda não prontos, e negociantes decidem até que ponto devem apostar na safra.
A tensão se deve ao fato de que a degustação, que começa nesta segunda (30) e se estende até 3 de abril, é a primeira desde os anos 1970 sem a participação do crítico americano Robert Parker. Nos últimos 37 anos, sua opinião ditou os preços das safras. O inglês Neal Martin, que trabalha com Parker na publicação The Wine Advocate desde 2006, irá substituí-lo. Esta é uma ótima safra para assumir. Imagine se fosse em 2013 e tivesse de dizer que o vinho era o pior em anos?
A expectativa é de que a safra 2014 seja melhor que a 2013, ano desastroso para Bordeaux, quando choveu muito, houve pragas e perda de pelo menos 30% da safra.
Somou-se a isso o fato de os chineses comprarem menos rótulos caríssimos. De 2009 a 2011, foi uma festa , afirma Jean-Charles Cazes, sócio do Château Lynch-Bages, no Médoc. Muitos châteaux subiram seus preços. Agora os valores baixaram.
Independentemente dos resultados desta en primeur , a flutuação do mercado provou que a região não deve permanecer imutável em sua torre de marfim. As novas gerações não podem se dar ao luxo de, como seus pais, trancar-se em seus castelos.
Para Jean-Luc Thunevin, sócio do Château Valandraud, em Saint-Émilion, até os grandes perceberam a necessidade de divulgação.
O Château Mouton-Rothschild, por exemplo, tem uma gama enorme de produtos , diz Thunevin. Quando divulga o vinho principal, está divulgando a marca.
Muitos produtores não gostam de receber visitantes porque moram nos châteaux. Isolamos a área residencial e recebemos turistas , diz Nathalie Schyler, diretora de enoturismo e sócia do Château Kirwan, no Médoc.
Mesmo que não compre o vinho, o turista compreende o produto e passa isso para frente , afirma.
A competição deixou de ser com o vizinho. Os produtores de Bordeaux precisam entender que não estão sozinhos no mundo , diz Stéphanie de Bouard, 32, sócia e diretora-geral do Château Angelus, em Saint-Émilion.
Muitas mudanças estão sendo ditadas pelos novos mercados e pelos novos tempos, como por exemplo o crescimento das práticas orgânica e biodinâmica. Minha geração é mais sensível a questões ambientais , diz Caroline Frey, 36, enóloga do Château La Lagune, de Haut-Médoc. Bordeaux está aprendendo a conviver com isso.
Fonte: Folha - ON LINE